• Por que o Brasil só trouxe um Bronze de Filme em Cannes 2017?

    Apesar da euforia brasileira na volta de Cannes, pela conquista de 99 Leões – mais do que conseguimos em 2016 – o Brasil teve um de seus piores desempenhos exatamente na área em que nasceu o festival: a de Filmes. O país voltou para casa com apenas um Leão de Bronze, honrosamente conquistado pela F/Nazca Saatchi & Saatchi para seu cliente Leica (veja aqui o filme). A mesma parceria que, em 2015, trouxe o primeiro Grand Prix brasileiro de filmes em Cannes, para o trabalho 100 (veja aqui).

    A Janela convidou consagrados e inquestionáveis diretores de comerciais e criativos a falar sobre o que pode estar acontecendo com o comercial brasileiro, que não se destaca mais, como antes, nos festivais internacionais. Cinco deles aceitaram o desafio: João Daniel Tikhomiroff, Hugo Rodrigues, Luiz Fernando Musa, Mario D’Andrea e Rynaldo Gondim.

    Aí está o resultado destas conversas, para abrir a discussão ao mercado.

    João Daniel Tikhomiroff: “A TV aberta está levando anunciantes a buscar soluções fáceis”
    João Daniel Tikhomiroff
    João Daniel Tikhomiroff

    João Daniel Tikhomiroff, diretor da produtora Mixer e o mais premiado diretor brasileiro no Festival de Cannes, a situação atual do comercial brasileiro é fruto da gigantesca força que tem no país a TV aberta, como praticamente não acontece mais em nenhum outro lugar do mundo.

    – Se temos o lado bom disso, que é saber que o canal garante uma audiência de milhões de espectadores – o que facilita a vida dos homens de marketing do cliente – por outro lado leva a que estes mesmos profissionais busquem comerciais mais diretos e vendedores, para ter resultados imediatos.

    João Daniel discorda desta opção de se abrir mão da ousadia e criatividade, “como se ser ousado ou criativo não vendesse”.

    – Acho um equívoco essa mudança no pensamento. No passado, vi muitos clientes que eram extremamente criativos e ousados e, mais, que provocavam insistentemente as agências a trazerem ideias marcantes e não só seguras. E ninguém pode dizer que aqueles trabalhos não dessem resultado.

    O diretor da Mixer cita que, faz tempo, esta preocupação com o nível criativo dos comerciais brasileiros também passa pelas próprias emissoras de TV aberta:

    – Não é por acaso que a Globo faz o Profissionais do Ano e o SBT o Melhor Comercial do Ano, preocupadas em elevar o nível do que é exibido durante o intervalo, para que o espectador não se afaste do aparelho ou mude de canal.

    Para João Daniel, o Brasil “continua sendo o berço de grandes criativos”, mas o mundo mudou e lá fora aprenderam a fazer várias produções de alta qualidade voltadas para a internet. Segundo o diretor, os resultados do país no Film Lions mostram que, “como estamos, com as agências acomodadas em aceitar o caminho aparentemente mais rápido e fácil, não conseguiremos mais competir de igual para igual”.

    Hugo Rodrigues: “O humor brasileiro é muito particular.”
    Hugo Rodrigues
    Hugo Rodrigues

    O presidente e CEO da Publicis Brasil, Hugo Rodrigues, acha que “soa exagerado dizer que o Brasil já brilhou na Categoria Filmes em Cannes”:

    – Os fatos e os números não mostram isso. Tanto que nosso primeiro e único Grand Prix das 64 edições do Festival só veio em 2015 com o brilhante trabalho da F/Nazca para Leica.

    Para Rodrigues, um dos impedimentos do resultado melhor do país no festival é que talvez não sejamos compreendidos por júris internacionais:

    – O humor brasileiro, por exemplo, é muito particular e usa uma linguagem local. Campanhas brilhantes e apaixonantes como a dos Postos Ipiranga, por exemplo, não ganham Cannes, mas não deixam de continuar sendo brilhantes e apaixonantes. Ou mesmo os filmes das excelentes campanhas de Havaianas.

    Rodrigues alerta que é importante “cuidado na análise radical”:

    – Precisamos de um otimismo menos cego e também de um pessimismo menos amargo. Evoluir faz parte da vida, e estamos no caminho, apesar de uma ou outra categoria do Festival não traduzir isso. Mas o resultado final, traduz: 99 Leões para o Brasil, fora mais uma dezena de Leões internacionais com trabalhos de brasileiros… sendo imodesto.

    E determina, otimista: “Publicidade, Marketing e Comunicação, definitivamente, não são os problemas do Brasil”.

    Luiz Fernando Musa: “Precisamos internacionalizar mais a nossa produção.”
    Luiz Fernando Musa
    Luiz Fernando Musa

    Para Luiz Fernando Musa, CEO da Ogilvy, o Brasil tem vários problemas de produção que precisam ser resolvidos, o maior deles sendo o excessivo protecionismo do mercado, que taxaria mais do que o recomendado a contratação de profissionais ou produtoras de outros países para realizar trabalhos aqui.

    – Deveríamos brigar pela competência. Ter trabalhando aqui mais profissionais de experiência internacional ajudaria no resultado final dos comerciais, além de melhorar a formação técnica das equipes brasileiras.

    Esta internacionalização, diz Musa, ainda colaboraria para trazer mais cultura cinematográfica aos nossos criativos e técnicos. “Nossos profissionais ainda têm um pensamento muito televisivo”, lamenta o diretor da Ogilvy, que também aponta este problema no estilo de interpretação dos atores brasileiros. Essa diferença acabaria prejudicando a comparação, em festivais internacionais, do produto brasileiro em relação ao de outros países.

    Musa também se ressente da inexistência de produtores – como os que existem no exterior – que determinam quem seria o melhor diretor ou o melhor fotógrafo para executar o trabalho que a agência entrega:

    – Não faz sentido um diretor achar que pode dirigir qualquer tipo de filme. Cada um tem um estilo em que rende melhor – garante o criativo.

    A contrapartida disso, cita Musa, é que as agências precisariam compreender – e não punir, botando na geladeira — se uma produtora ou profissional se recusar a realizar um comercial por achar que não tem os profissionais adequados para fazer o trabalho.

    Essas críticas de Luiz Fernando Musa procuram trazer para o lado das agências e produtoras a responsabilidade pelo que vem acontecendo na produção de comerciais no Brasil:

    – Ficar só culpando o cliente por não aprovar ousadias ou não liberar verba é bullshit. Isso pode acontecer, mas temos que enxergar os outros lados da questão – alerta.

    Mario D’Andrea: “O texto, no Brasil, está minguando.”
    Mario D'Andrea
    Mario D’Andrea

    Presidente e CCO na Dentsu do Brasil, Mario D’Andrea aponta que um dos grandes motivos de a qualidade do comercial brasileiro ter caído é que “a propaganda no Brasil está cada vez mais patrulhada”:

    – Por institutos de pesquisa, por clientes que não querem arriscar, pela imprensa, pelas redes sociais. Tudo isso evita que as agências produzam coisas mais diferentes! Afinal, o custo da ideia e da produção inibe o risco – cita o publicitário.

    Além disso, o presidente da Dentsu chama a atenção para o fato de termos hoje no mercado uma geração de criativos que foi formada dentro do mundo visual e do mundo digital:

    – A arte do copywriting foi deixada em segundo plano. O texto, no Brasil, está minguando. O país todo vem sofrendo um “emburrecimento” do texto. Vide as letras de músicas, a falta de fenômenos literários e até mesmo as redações de jornais. E sem um bom texto, não há bons roteiros.

    Na conversa com a Janela, D’Andrea levantou um ponto não citado pelos demais: o curto prazo de duração das campanhas atualmente:

    – Bons tempos em que uma campanha durava meses no ar. Hoje, levam três semanas! Isso, naturalmente, diminui tanto o investimento em produção (por causa da mídia curta) como, pior, diminui drasticamente o tempo desta produção. Atualmente, diretores são obrigados a produzir filmes complexos em duas semanas. Casting? Dois, três dias pra fazer e vire-se. Aí fica difícil…

    Rynaldo Gondim: “Boa parte das peças inscritas em Cannes é fruto da ‘pro-atividade’.”
    Rynaldo Gondim
    Rynaldo Gondim

    O diretor de criação da AlmapBBDO já começou seu depoimento à Janela afirmando que, “a despeito de Cannes ainda ser o prêmio de maior relevância para o nosso negócio, ele de forma alguma deveria ser o grande parâmetro de qualidade do trabalho criativo”.

    – Hoje o festival tem tantas categorias que, além de gerar uma farta distribuição de prêmios, exige uma quantidade de jurados tão grande que não há no mundo tanta gente boa assim para ocupar todas essas vagas – se espanta Rynaldo.

    Não por acaso, ele lembra, “hoje, uma única peça pode ganhar mais de 10 leões. E existe uma regra universal que vai muito além da publicidade: ‘Quando se quantifica, se desqualifica'”.

    O criativo, porém, afirma que não se surpreendeu pelo desempenho ruim do Brasil na premiação de Film Lions. “Me surpreenderia se fosse o contrário”, declarou:

    – A média do nosso trabalho de filmes não é boa. Basta ligar a TV no horário nobre. Boa parte das peças inscritas em Cannes é fruto da famosa “pro-atividade”. E essa “pro-atividade” nunca vem em forma de filmes. É caro de produzir e de veicular. Arriscado demais.

    O bom resultado do país nas demais áreas – que levaram às comemorações da imprensa pelos 99 Leões deste ano – se explica:

    – Aprovar ideias já produzidas é mais fácil do que aprovar ideias que ainda estão no papel. Assim como aprovar ideias que exigem pouco investimento em mídia é mais fácil do que aprovar ideias que exigem um grande investimento. As agências, para ganhar prêmios internacionais, investem muito mais em mídia impressa e em projetos para as mídias ditas sociais do que em filmes.

    Rynaldo se divide em pensamentos pessimistas e otimistas. Pelo lado negativo, ele lamenta estarmos vivendo tempos de crise, com clientes inseguros. E aponta o problema:

    – A maioria das agências está aceitando fazer um trabalho ruim e fácil de aprovar, contando que, depois, pode usar a “pro-atividade” para ganhar prêmios e disfarçar seu fraco desempenho criativo.

    Esses “tempos nebulosos” levam o diretor de criação da AlmapBBDO se incomodar pelo fato de estarmos formando muitos profissionais inéditos:

    – Há gente que nunca colocou uma grande campanha de verdade no ar. Profissionais famosos com trabalho anônimo. Mantemos a nossa posição de país criativo com um empenho direcionado a coisas pequenas.

    Mas ele se afirma “otimista quanto ao nosso futuro”:

    – Se mudarmos o foco desse empenho, tudo muda. Gente boa e dedicada para fazer não falta em nosso país. Vejo movimento nos clientes que podem mudar o jogo. Quanto mais gente do outro lado do balcão exigindo um trabalho bom e de verdade, melhor para o nosso mercado. Temos muita gente talentosa e dedicada. Com o foco certo, as coisas mudam com certa celeridade.

    Marcio Ehrlich

    Jornalista, publicitário e ator eventual. Escreve sobre publicidade desde 15 de julho de 1977, com passagens por jornais, revistas, rádios e tvs como Tribuna da Imprensa, O Globo, Última Hora, Jornal do Commercio, Monitor Mercantil, Rádio JB, Rádio Tupi FM, TV S e TV E.

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    Discussão

    1. Mário Barreto

      Este assunto tem tantas facetas para serem exploradas, tantas causas agindo em conjunto que tornariam este meu comentário imenso. Porém, para reduzir podemos que pensar que o Brasil está em seu pior momento econômico e político, com reflexos sobre todas as atividades que aqui se praticam. Talvez a advocacia esteja em um boom no momento… mas todas as empresas, negócios, iniciativas, disposições, estão nocauteadas pelo oceano de problemas que estamos enfrentando. Não há calma para nada, uma incrível aceleração no tempo e desta maneira sinceramente não há como criar, produzir e exercer o nosso trabalho de maneira que ele possa brilhar contra profissionais em condições muito melhores. Como o Festival adora criar categorias e Leões, podiam criar uma Categoria Especial para Países Mergulhados em Crises de Todos os Tipos. Aí, nesta categoria, iríamos ganhar muitos Leões de todos os metais possíveis.

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