• Mad deixa de circular depois de 67 anos

    Mad in Brazil

    No Brasil, se ainda estivesse sendo impressa, a revista Mad teria completado exatamente 45 anos no último dia 30/06, quando, em 1974, foi para a rua o primeiro exemplar da “Mad in Brazil”.

    Aqui, em várias idas e vindas, a Mad conseguiu ir para as ruas até abril de 2017. Nos Estados Unidos, divulgou-se esta semana que a mais importante publicação de humor da história chegará ao seu fim este ano, rodando mais alguns números apenas para poder cumprir com assinaturas já pagas.

    A Mad nasceu numa sociedade do empresário William “Bill” Gaines e o editor Harvey Kurtzman. A ideia era satirizar o que pudesse da cultura americana. Naquele ano de lançamento no Brasil, a publicação também chegava a seu auge nos Estados Unidos, com 2 milhões de exemplares.

    Histórias do Ota

    O responsável pela edição da versão brasileira da Mad foi o cartunista Otacílio de Assunção Barros, o Ota. No último dia 30, antes de imaginar que a publicação americana deixaria de ir ao ar, ele contou em sua página do Facebook a odisseia de colocar o número 1 no ar.

    A saga merece ser registrada aqui:

    Ota Assunção
    Ota Assunção

    Poucos ou ninguém sabe, mas hoje faz exatamente 45 anos que foi impressa a primeira Mad brasileira. Eu lembro bem, porque, pelo contrato draconiano que a Vecchi tinha feito com o Bill Gaines, a revista tinha que sair até o dia 30/6/1974, senão o Lotário (N.R. Lotário Vecchi, diretor da Editora Vecchi) perdia a grana que tinha investido e o contrato era anulado.

    Pelo menos o carimbo do correio servia pra provar que a revista estava pronta no dia 30. Então não podia vacilar. A gráfica foi programada pra rodar o número 1 no dia 29 e em seguida alguém ir no correio postar o pacote pra sossegar o Gaines.

    Eu ainda tinha uma equipe reduzida e ficamos um mês preparando a edição a toque de caixa. No dia 28, fiz hora extra no fotolito pra orientar o Douglas (o montador) a colocar as páginas no lugar pras chapas serem gravadas. Parecia ser uma operação fácil quando o Douglas falou. Ei, tem algo errado aqui. A revista só vai até a página 48. E eu caralhoooo! Eu tinha feito o mapa errado. Porque como o miolo começava na 3 tinha que ir até a 50 e faltavam duas páginas. Eu tinha preparado só 46!!!!

    Tinha que dar um jeito naquela noite mesmo, senão ia tudo por água abaixo. Fui correndo até a minha sala e catei os fotolitos de duas páginas que iriam sair no número 2 pra tampar o buraco. Fiz uma tradução correndo e liguei desesperado pro Valim, o letrista. Ele tinha que ir na Vecchi letrar essas duas páginas. Nesse meio tempo, ainda tinha alguém na seção dos linotipos (sim, usavam linotipo na época) e fizeram a composição dos textos e o Valim pegava um táxi pra ir pra Vecchi letrar os balões com a sua pena de nanquim. Naquela época as letras eram feitas direto no fotolito, raspando o texto em inglês na parte da camada e letrando no outro lado. Enquanto isso alguém no fotolito fotografava as composições e o próprio Douglas fez uma gambiarra e as páginas ficaram prontas, a revista rodou e o resto é História.

    O primeiro número da Mad no Brasil
    O primeiro número da Mad no Brasil

    Mas foi um sucesso surpreendente. A Vecchi estava com medo de arriscar e imprimiu só 40 mil exemplares, que seriam lançados no Rio e São Paulo como teste. Se os check-ups fossem bons rodavam mais pro interior, senão o encalhe seria distribuído para o interior. E vendeu muuuuito bem, por isso fizeram mais 30 ou 35 mil. As duas páginas que acompanham a capa são as emergenciais. De modo que hoje a Mad está fazendo exatamente 45 anos de Brasil. Foi lançada nas bancas na semana seguinte. Virei, de uma hora pra outra, com apenas 20 anos de idade, o editor do maior sucesso editorial do ano e o pessoal que fazia bullying comigo na Vecchi teve que engolir em seco. As primeiras edições saíram sem data, mas a partir do segundo ano passou-se a colocar o mês e ano na página do sumário.

    Hoje eu não precisaria chamar o Valim às pressas. Poderia eu mesmo fazer o letreiramento usando uma fonte no arquivo digital em cinco minutos mas na época era tudo feito em artes montadas na base do esquadro e cola de borracha e as letras desenhadas no fotolito. Dava um trabalhão.

    Fiquei 34 anos à frente da revista, embora não tenha sido corridos. No total foram uns 30. No último ano que saiu na Vecchi não participei, pois eu e o Lotário fomos demitidos num golpe interno da família Vecchi. Ele tinha demitido os sobrinhos, as mães se queixaram com a Dona Amália, a viúva do fundador, e ela de castigo demitiu o próprio filho. Parecia filme de mafioso ou novela de TV. A revista despencou de vendas depois que eu saí e o castigo veio a cavalo, pois a editora faliu um ano depois. Voltei à Mad em grande estilo em 1984, exatamente 10 anos depois, e fiquei 15 anos na Record e ela recuperou a popularidade. Depois foi pra Mythos e pra Panini, e entre uma editora e outra tinha sempre havia hiatos de tempo.

    Chutei o balde há 11 anos, em 2008, porque sempre tinha algum imbecil pra fazer bullying comigo e mandei a editora tomar no cu. É claro que as vendas despencaram de novo. Durante muitos anos fiquei com esse estigma de “o homem da Mad”, mas me livrei do karma e agora sou um artista independente lançando meus gibis pela Editora PirOta e vendendo direto pros leitores.

    Marcio Ehrlich

    Jornalista, publicitário e ator eventual. Escreve sobre publicidade desde 15 de julho de 1977, com passagens por jornais, revistas, rádios e tvs como Tribuna da Imprensa, O Globo, Última Hora, Jornal do Commercio, Monitor Mercantil, Rádio JB, Rádio Tupi FM, TV S e TV E.

    Envie um Comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


    seta
    ×